Deraldo Portela é um patrimônio social da cidade de Irará, onde é conhecido simplesmente como “Doutor”. Lá ele já foi padrinho em mais de mil batizados ou casamentos. Nasceu a 26 de maio de 1927, em Irará, filho do lojista Pedro Martins Portela, e de Cecília Valverde Campos, professora. Graduou-se em Medicina em 1953, pela prestigiada Escola de Medicina da Bahia. Após dois anos de residência no interior da Bahia e no Hospital das Clínicas em São Paulo, retornou à sua cidade natal onde permanece até hoje.
Sua dedicação à cultura musical o levou a ser convidado para a presidência da Sociedade Lítero-musical 25 de Dezembro, sendo eleito por sucessivas vezes, configurando um período de mais de 30 anos à frente da instituição, tempo em que se tornou uma das melhores filarmônicas da Bahia, vencedora de diversos festivais e pioneira na gravação de discos vinil e CD. Sua atenção à importância das composições manuscritas o levou a proteger o rico acervo que atualmente leva o seu nome.
O maestro Fred Dantas entrevistou o Doutor Deraldo em sua casa, em Irará. Veja abaixo como foi o bate-papo.
Fred: Doutor, fale um pouco da sua origem.
Dr. Deraldo: Eu nasci a 26 de maio de 1927, aqui em Irará, onde o meu pai, Pedro Martins Portela era lojista, vendia tecidos, sapatos, guarda chuvas, perfumes, etc. A minha mãe, Cecília Valverde Campos, havia sido professora em um distrito na zona rural e ao se casar tornou-se dona de casa.
Fred: fale um pouco sobre a sua formação escolar.
Dr. Deraldo: Eu estudei o primário inicial em Irará. Depois fui fazer o que hoje se conhece como Fundamental 2 em regime interno no Ginásio Ypiranga, na Rua do Sodré em Salvador, numa casa onde morou o poeta Castro Alves. O Curso Cientifico foi iniciado no Colégio Maristas e concluído no Ginásio da Bahia, o atual Colégio Central, que era uma referência na época.
Fred: E o curso de Medicina?
Dr. Deraldo: Eu ingressei na Escola de Medicina da Bahia, que depois seria incorporada à UFBA, em 1948, concluindo o curso em 1953. minha primeira experiência profissional foi nas Missões Rurais na cidade de Serrinha, em 1954. No ano seguinte consegui ser aprovado para um internato na Escola Paulista de Medicina, trabalhando no Hospital das Clínicas de São Paulo. Em 1956 retornei a Irará, onde estou desde então.
Fred: E o interesse pelas filarmônicas, como surgiu?
Dr. Deraldo: Veja, quando eu já era adulto e médico em Irará, acompanhando a Filarmônica em suas apresentações, tive um desejo muito grande de aprender a tocar e fazer parte do conjunto. Efetivamente procurei a escola de música e o mestre de então me colocou no instrumento trompa, que é próprio para iniciação. Eu fiquei com esse instrumento em casa, mas não tinha tempo de praticar e acabei desistindo.
Foi quando houve um grande cisão, um grande racha, entre o presidente de então e os músicos da filarmônica. Ele então me chamou e perguntou se eu aceitaria ficar como presidente interino até que se organizasse nova eleição e eu aceitei. Me candidatei a presidente da Sociedade Lítero-musical 25 de Dezembro sendo eleito e durante várias eleições continuei, sem chapa concorrente, por mais de 30 anos. Com a idade não pude mais assumir essa responsabilidade e me colocaram “em um quadro na parede” como presidente de honra.
Fred: E sobre os anos 1980 e as gravações da banda de Irará que revolucionaram o ambiente musical das filarmônicas na Bahia?
Dr. Deraldo: Foi muita sorte para nós que o maestro Xaxá, como era chamado Norberto de Aquino, aceitasse o convite para vir reger a 25 de Dezembro, depois de se aposentar pela Banda do Corpo de Bombeiros em Salvador. Maestro Xaxá era um grande arranjador, gostava muito das trilhas sonoras de cinema, e um bom educador, tanto que formou uma turma nova e eficiente de músicos. Daí tive a idéia de gravar um disco LP em 1982 na gravadora WR, a melhor de Salvador, onde inclusive o jovem Fred Dantas, a meu convite, participou tocando bombardino.
O LP se chamou “Tocata”. Nove anos depois, em 1993, gravamos outro LP, também na WR, que se chamou “Retreta”, e também foi um sucesso. Já na era do CD, em 1997, gravamos o CD “Sociedade Lítero-musical 25 de Dezembro”. E a renovação da 25 de Dezembro serviu de motivação para que outras filarmônicas do nosso estado passassem a se renovar também.
Fred: E sobre as partituras do Arquivo Deraldo Portela?
Dr. Deraldo: Foi uma gentileza sua colocar meu nome no arquivo. Eu não fiz nada, apenas recolhi esse material para evitar de ser destruído. Você que organizou e continua a organizar, agora de forma melhor. Meu mérito, no entanto, foi saber como eram importantes esses papéis – onde haviam nomes conhecidos e outros que eu não sabiam quem eram, mas sabia que seria importante dar vida ao que havia ali.