História Filarmônicas e Ferrovias

Fred Dantas 

Nosso campo de interesse tem como centro a cidade de Alagoinhas, no interior da Bahia, com três ramificações principais: o início da existência de uma banda filarmônica vizinha à Estação Plataforma, em Salvador; o final da linha de trem na cidade de Queimadas, no alto sertão da Bahia, onde nasceu Isaias Gonçalves Amy, compositor ferroviário, e outro no final de trilhos na cidade de Propriá, em Sergipe, próximo à cidade de Lagarto, onde nasceu o compositor José Machado. 

Em Plataforma existiu a Filarmônica São Brás, o primeiro indício da ligação entre filarmônica e ferrovia. Em Queimadas nasceu Isaias Gonçalves Amy, um dos principais compositores ferroviários e, finalmente em Propriá, se encerra uma ramificação ferroviária que passa por Laranjeiras e Simão Dias, de onde vieram os compositores ferroviários Abelardo Enéas Campos e Zeca Laranjeiras, quase chegando a Lagarto, onde nasceu José Machado, o mais conhecido compositor filarmônico de Sergipe.

Este site coletou 15 músicas que foram selecionadas por mim, maestro Fred Dantas, e passaram por um processo de editoração. Para complementar trazemos uma breve contextualização de cada música selecionada, passando pelas ferrovias e cidades onde as filarmônicas estavam ligadas e falamos sobre seus maestros. Para a seleção dessas 15 composições eu levei  em consideração três critérios: compositores ferroviários ou músicas diretamente relacionadas à ferrovia, compositores notáveis presentes no arquivo e finalmente músicas que têm importância exemplar por si, como os arranjos de música da Europa.

 

1 – Primeira filarmônica ligada à ferrovia na Bahia e sua mais distante equivalente em Sergipe. Música selecionada: Dobrado Corpo Musical, de José Machado (nº 1 do Arquivo Deraldo Portela-ADP)

Dobrado Corpo Musical, de José Machado

Escolhemos o Dobrado “Corpo Musical”, de José Machado, por ser a primeira música listada no Arquivo Deraldo Portela, por seu título homenagear a principal parte de uma sociedade musical, que é o corpo musical, ou seja, os músicos ativos. Também faz a notável união entre a primeira banda de música surgida ao longo da ferrovia na Bahia, a Filarmônica São Brás, com um compositor de onde a ferrovia se encerra em Sergipe, José Machado. 

A Filarmônica São Brás, que ainda no ano de 1984 se mantinha em atividade, graças ao esforço abnegado da professora Célia e do músico Evanaílton, era originalmente integrada por funcionários da indústria têxtil São Brás e da rede ferroviária vizinha às suas instalações. 

Situada no bairro de Plataforma, voltada para a Baía de Todos os Santos, próxima à Enseada do Cabrito, nos limites do Parque Metropolitano de Pirajá, a Fábrica São Braz encontra-se desativada desde 1968. A importância do sítio em que está localizada a fábrica remonta a época da colonização. Nesse local existiu a tapera do chefe Mirangaoba, senhor da aldeia de São João que no início da colonização foi transformada no primeiro aldeamento indígena promovido pelos jesuítas no Brasil. A Fábrica São Braz foi construída sobre o local onde existiu um engenho de açúcar, provavelmente o Engenho São João. Neste engenho, o padre Antônio Vieira proferiu sermão dirigido à Irmandade dos Pretos de Nossa Senhora do Rosário. Além disso, o território onde se encontra a fábrica assistiu às invasões holandesas no século XVII, e às investidas dos portugueses nas batalhas pela independência da Bahia. A Fábrica São Braz pertenceu à CIA Progresso e União Fabril, de propriedade do senhor Bernardo Martins Catharino desde 1932.

Estação de trens de Plataforma

A estação Plataforma – junto à qual funcionava a filarmônica – foi inaugurada pela Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco em 28 de junho de 1860. Após ser incorporada à empresa Compagnie des Chemins de Fer Fédéraux de l’Est Brésilien estações (incluindo Plataforma, rebatizada Almeida Brandão) até 1941. O auge do programa foi a eletrificação da ferrovia, realizada entre 1944 e 1954. Na década de 1960 foi implantado um serviço de trens de subúrbio elétricos com passagem pela estação de Plataforma.

Estação de trens de Propriá (SE)

O compositor José Machado dos Santos, capitão da Polícia Militar de Sergipe, nasceu em 11 maio 1912, em Lagarto-SE, filho de João de Sizia e tinha o bombardino como seu instrumento predileto. Alistou-se às fileiras da PM de Sergipe como soldado-aprendiz de música em maio de 1926, tornando-se um exímio musicista. Foi promovido a sargento contramestre em 1931, tempo em que fora Mestre de Música do Colégio Salesiano, no Oratório Dom Bosco. Em 28 de fevereiro de 1935, por decreto de interventor Augusto Maynard Gomes, foi promovido ao Posto de 2º Tenente-Regente da Banda de Música da Policia Militar. Tal promoção foi intensamente comemorada com mais três colegas: José dos Santos Graça, José Batista dos Anjos, José de Oliva Freire e ele, o José Machado dos Santos,  portanto quatro Josés e quatro tenentes,  razão pela qual compôs o dobrado tocado por diversas bandas de música por todo o Brasil. José Machado compôs outras músicas muito executadas, como os dobrados “Sílvio Romero”, “Major Mizael Mendonça”, “Professor Olavo”, “17 de Outubro”, “Dom Bosco” e “Desembargador Hunaldo Cardoso”. Compôs também a “Valsa Geni”, linda melodia dedicada a sua esposa.

2 – Música produzida em uma filarmônica operária ao longo da ferrovia: Música selecionada: Ave Maria, para voz soprando e banda, de Abelardo Enéas Campos (nº 183 do ADP)

A “Ave Maria” foi escolhida por representar o relacionamento entre filarmônica e ferrovia e ainda com a Usina de Açúcar 5 Rios em Maracangalha: a Sociedade Muzical 5 Rios, fundada em 1927, era integrada por funcionários da Usina e por alguns operários ligados à ferrovia. Ainda pude contemplar o restante do instrumental dessa filarmônica em um deposito da usina, em pleno funcionamento em 1986.

Ave Maria, de Abelardo Enéas Campos

Matéria em A Tarde sobre as filmagens de Maracangalha

Estação de trens de Maracangalha

A “Ave Maria”, segundo o senhor Francisco Neves, morador de Maracangalha e supervisor da Usina 5 Rios,  foi composta pelo maestro Enéas, sergipano de Simão Dias e ferroviário, para a inauguração da Capela de N. Sra. da Guia, em 1933. Foi reinterpretada pela primeira vez pela soprano Andréa Daltro, para o filme Maracangalha, a história de uma banda, que não chegou a ser concluído. No Concerto de 30 Anos da Oficina de Frevos e Dobrados, no Teatro Castro Alves, foi cantada pela soprano Irma Ferreira. É um caso muito raro de composição para voz solista e banda de música.

Procissão com filarmônica em Maracangalha

3 – Música com título dedicado a um mestre de bandas ferroviário: Dobrado Pedro Cardoso, (nº 19 do ADP)

Para nos referirmos à cidade de Alagoinhas, ponto central do nosso trabalho, selecionamos para edição a composição Dobrado “Pedro Cardoso: Brasil em Flores”, do mestre maragogipano Heráclio Guerreiro, por se referir em seu título ao derradeiro mestre da Filarmônica Euterpe Alagoinhense, que manteve em sua residência a maior parte do acervo coletado pelo Dr. Deraldo Portela.

Dobrado Pedro Cardoso, de Heráclio Guerreiro

Estação Ferroviária de Alagoinhas

A Filarmônica Euterpe Alagoinhense foi fundada em 8 de Dezembro de 1893. Junto com a União Ceciliana da cidade de Alagoinhas, tem em seu passado vários momentos de grande atividade musical. Atualmente permanece em atividade na sua sede à rua Padre Alfredo, Centro, com projetos ligados a desfiles a dança, como o “Fábrica de Sonhos”, do ano de 2020.

Filarmônica Euterpe Alagoinhense em 1995

4 – Filarmônica e ferrovia em Aramari: Filarmônica Recreio Operário. Música selecionada: bolero Recreio Operário de Heráclio Guerreiro (nº 46 do ADP)

Dobrado Pedro Cardoso, de Heráclio Guerreiro

A Filarmônica Recreio Operário é um dos exemplos mais emblemáticos do relacionamento entre filarmônica e ferrovia. A visitei por duas vezes, uma durante a pesquisa relacionada ao Arquivo Deraldo Portela e outra para visitar o meu amigo, maestro Zinho, em 2007. Antes disso, Zinho foi um dos criadores do Encontro de Filarmônicas no 2 de Julho, comigo e com o compositor Moraes Moreira, em 2001.

Heráclio Paraguassu Guerreiro (Maragogipe, 1877-1950) é o orgulho da cidade baiana de Maragogipe, onde ainda hoje toca, na mesma Terpsícore Popular, um bisneto seu, com o mesmo instrumento, a caixa. Oxalá herde-lhe a verve de escrever mais de 500 músicas, sempre lindas e eficazes: não há música mais simples, ou menos bonita, de Guerreiro, dono de um estilo vigoroso e severo, que não lhe impediu de ser um dos que estabeleceram a marcação em tangado. Depois de introduções fortes e cantos com divisão bem definidas entre palhetas e metais, normalmente surgem, nos dobrados de Heráclio Guerreiro, os trios mais belos da música baiana, nos quais há um equilíbrio místico entre o canto, com as clarinetas, o contracanto de um bombardino solista e a marcação obstinada da tuba e do sax barítono.

Heráclio Guerreiro

5  – Compositor ferroviário em Queimadas e Juazeiro: Isaias Gonçalves  Amy. Música selecionada: Ária a trombone (nº 150 do ADP)

Imagem 16: Ária a trombone, de Isaías Gonçalves Amy

Imagem 17: Estação de trens de Queimadas

Isaias Gonçalves Amy (Queimadas, 1888-1960) Foi exemplo de mestre sertanejo dessa região, unificada pela linha do trem, que segue desde Queimadas até quase Salvador. Com a profissão de ferroviário, chefe de depósito da Leste Brasileiro, Amy regeu bandas em sua cidade, Queimadas, regeu a Apolo em Juazeiro, a União dos Ferroviários Bonfinenses em Senhor do Bomfim e a Euterpe Alagoinhense, em Alagoinhas. Escrevia de acordo com a excelência dos músicos dos quais dispunha e também segundo o público que ouviria sua produção. Assim, compôs desde rebuscadas polacas, como “Annita Garcia”, para solo de sax alto e a “Ária a Trombone”, até o baião “Tuada no Sertão”, que é o rosto do Nordeste baiano, por onde andou Lampião. Ainda na linha popular, compôs uma animada série de marchas-frevo, de número 1 a 18, para o carnaval de Alagoinhas.

Imagem 18: Isaias Gonçalves Amy, foto e imagem 19: Isaias Amy, foto colorizada

6 – Compositor ferroviário de Simão Dias (SE) atuando na Bahia: Abelardo Enéas Campos. Música selecionada: Dobrado Sertanejo (nº 59 do ADP)

Imagem 20: Dobrado Sertanejo, de Abelardo Enéas Campos

Imagem 21: ferrovia Alagoinhas-Propriá, trecho Sergipe

7 – Compositor ferroviário de Laranjeiras (SE) atuando na Bahia: Zeca Laranjeiras. Música selecionada: dobrado O Clarão eéctrico (nº 133 do ADP)

Imagem 22: Dobrado O Clarão eléctrico, de José Propheta Silveira, o Zeca Laranjeiras

Imagem 23: Zeca Laranjeiras

O que se sabe é que seu filho migrou para o Rio de Janeiro onde se tornou o conhecido clarinetista de choro Netinho. Na plataforma de pesquisa Google se encontram 106 músicas com sua participação. e uma notável série de gravações de LPs intitulada “Clarinetinho”.

Imagem 24: Netinho Clarinete, filho de Zeca Laranjeiras

No Arquivo Deraldo Portela encontramos diversas transcrições de músicas de execução avançada, com a assinatura “cópia de Zeca Laranjeiras”, demonstrando que, além da sua verve composicional, ele cultivava a ideia de execução de peças de harmonia pela sua filarmônica.

Imagem 25: Estação de trens de Laranjeiras

8 – Compositor notável – Estevam Moura. Música selecionada: dobrado Castro Alves (nº 21 do ADP)

Imagem 26: Dobrado Castro Alves, de Estevam Moura

Imagem 27: Estevam Moura

Estevam Moura (Santo Estevão, 1907- 1951) foi um revolucionário em seu tempo, pois levou o dobrado a ter inúmeras partes, pontes, momentos de parada e acompanhamentos inusitados. Seus dobrados “Verde e Branco”, “Magnata” e “Tusca” são hoje patrimônios nacionais, executados em todo país, divulgados pela comunicação silenciosa de músicos e regentes. Foi, ao lado de Amando Nobre e Waldemar da Paixão, um dos pilares de um momento em que as bandas de música da Bahia atingiram uma espécie de classicismo, mantendo as conquistas dos mestres antigos do Recôncavo e acrescentando à música das bandas novas e engenhosas soluções. Estevam foi pioneiro em adotar percussão alternativa, tendo mesmo chegado a construir um par de tímpanos, com troncos escavados de mulungu. Homem negro, vindo da pequena cidade de Santo Estevam, seu caminhar de terno branco pelas ruas de Feira de Santana, à frente da 25 de Março, era uma cena de causar admiração. Esses três compositores após Tranquilino, Estevam, Amando e Waldemar, estabeleceram as bases do dobrado baiano, com o uso da solução rítmica afro-brasileira chamada tangado. De fato, é o uso da síncope como norma de acompanhamento, a inclusão da herança negra transformando e dando identidade ao dobrado, uma forma antes nitidamente europeia e militar. Seu filho de criação, Hamilton Lima, tornou-se um dos maiores regentes de coral da Bahia, tendo estabelecido o saudável costume de criar corais de funcionários em empresas públicas e privadas

9 – Compositor notável – Amando Nobre. Música selecionada: Marcha Leda (nº 6 do ADP)

Imagem 28: marcha Leda, de Amando Nobre

Imagem 29: Amando Nobre em 1928  e Imagem 30: Amando Nobre em 1958

Amando Nobre (Maragogipe, 1903-1970), além de compositor e regente, era um escritor, um homem de ideias e entusiasta pela transformação da sociedade. Presença constante na ativa imprensa escrita do seu tempo, Nobre escreveu, entre centenas de outras peças, o “Grito dos Pretos”, peça de grande repercussão à sua época. Junto com Estevam Moura e Waldemar da Paixão, forma a vanguarda do Recôncavo, a  geração seguinte a Tranquilino e Guerreiro, que levou o estilo a melodias mais leves, acréscimo de novas partes nos dobrados e convenções bastante estendidas, além de ter dado continuidade ao tangado, modelo de acompanhamento para dobrados, feito nas tubas, de forte influência negra. Suas músicas são muito difundidas por toda a Bahia, onde exista banda, e entre suas obras se destacam as polacas, para solo de bombardino e trombone.

Encontramos em um jornal não identificado, no ano de 1928, uma referência a Amando Nobre (1903-1970) que o liga a Heráclio Guerreiro por sucessão:

Maragogipe é o berço da inteligência, a terra das artes, dos músicos, dos poetas, dos oradores. Realmente, sem que vos fira a modéstia, não temos exagero nas expressões do ardoroso jornalista e acatadíssimo Levita do Senhor. Maragogipanos há que sabem elevar a terra querida onde nascemos. Dentre eles, convém lembrar aqui Amando Nobre. Músico que sabe escrever música. Da escola de Heráclio Guerreiro, compositor apreciadíssimo, aquele nosso conterrâneo, como aquele também o é, regendo pela segunda vez a garbosa filarmônica da cidade de São Félix, tem o seu nome triunfado em virtude  da boa aceitação e  dos merecidos aplausos que as suas produções musicais vêm conquistando.

10 – Compositor notável – Tertuliano Santos. Música selecionada: dobrado Sinphrônio Ferreira (nº 76 do ADP)

Imagem 31: Dobrado Sinphrônio Ferreira, de Tertuliano Santos

Imagem 32: Tertuliano Santos

Tertuliano Santos (Feira de Santana, 1898-1968) – Possuidor de escrita formidável, autor de uma joia rara, a polaca “Maria Almeida”, Tertuliano foi um erudito, sendo discípulo de Santa Isabel, o adaptador de óperas. Foi também trompetista virtuoso. Seu filho, o professor Fernando Santos, foi dos anos 1960 a 1990 o  melhor executante de percussão erudita da Bahia e sua pegada de caixa no “Bolero de Ravel” foi muito aplaudida na Alemanha, país onde se especializou. Tertuliano Santos causou grande polêmica no seu tempo ao trocar a Filarmônica Victória pela filarmônica 25 de Março, provocando uma divisão na sociedade de Feira de Santana dos anos 40. Outra composição de Santos bastante executada atualmente é a fantasia “Ibotirama, o País das Flores”. 

11 – Compositor notável: Antonino Manoel do Espírito Santo. Música selecionada: Marcha fúnebre (nº 93 do ADP)

Imagem 33: Marcha Fúnebre nº 5, de Antonino Manoel do Espírito Santo

Antonino Manoel do Espírito Santo (Salvador – 10 de maio de 1884 – 16 de abril de 1913), conhecido e por vezes mencionado como Antônio do Espírito Santo, foi um compositor de música instrumental militar brasileira e considerado o maior autor de dobrados militares do país. Foi aluno interno do Arsenal de Guerra onde aprendeu música. Fez sua primeira composição com apenas 15 anos de idade, o dobrado “Palmeira dos Índios”. Era Primeiro Sargento do Exército Brasileiro, servindo no 50º Batalhão de Caçadores de Salvador quando, em 1913, compôs em homenagem a um amigo de farda o dobrado “Sargento Calhau”, que viria a se tornar a melodia da célebre “Canção do Marinheiro”, popularmente chamada de “Cisne Branco”. A “Canção do Marinheiro” é atualmente o Hino da Marinha Brasileira, mas a sua adoção como símbolo aconteceu após a morte do compositor.

12 – Compositor notável: Waldemar da Paixão. Música selecionada: Dobrado Bahiano (nº 241 do ADP)

Imagem 34: Dobrado Bahiano, de Waldemar da Paixão

Waldemar da Paixão (Salvador) – Compositor e regente ligado à música da Polícia Militar da Bahia, na qual teve importância semelhante ao próprio maestro Wanderley. Waldemar da Paixão representou, em sua primeira fase, a geração de reformadores/continuadores que levaram a filarmônica baiana a um tempo clássico, no final dos anos 40. Regeu também a Filarmônica Carlos Gomes, do bairro da Ribeira, onde deixou um bom material manuscrito, sendo o grosso da sua obra encontrada na Banda de Música

Maestro Wanderley, da Polícia Militar da Bahia. Esta corporação gravou, em 1998, a fantasia “Ave Libertas”, uma peça muito bem estruturada, tendo como base citações dos hinos nacionais de diversos países democráticos. Nos anos 50, no apogeu do rádio na Bahia, foi regente contratado pela Rádio Sociedade, regendo uma orquestra que, com arranjos exclusivos, acompanhou, muitas vezes em programas de calouro, todos os cantores que vieram a representar a música popular em nossa capital, como Batatinha, Riachão, Claudete Macedo, Bob Laô e muitos outros.

Imagem 35: Waldemar da Paixão, foto na galeria de maestros da Banda de Música da PM-BA

 

13 – Exemplo de arranjador de ópera: O Trovador, ópera de Verdi, arranjo de Sobral (nº 5 do ADP)

Imagem 36: O Trovador, arranjo de Sobral

Imagem 37: Ária das Adeptas, de João Mariano Sobral

Santa Isabel e João Mariano Sobral foram mestres de música que regeram, no final do sec. XIX, na época de Tranquilino Bastos, entre Salvador, Feira de Santana, Alagoinhas e Castro Alves, onde encontramos manuscritos assinados pelos dois. O traço comum é que ambos só escreveram reduções de trechos de ópera, principalmente de Verdi, para a formação de sopros e percussão, arranjos que eram chamados “harmonias”. Verificamos que o termo harmonia foi aplicado no século XIX na Europa para designar bandas de música ao modelo semelhante ao adotado pelas filarmônicas: instrumentos de madeira, metais e percussão executando músicas de diversos estilos, isto para diferencia-las das chamadas Fanfarras.

As Peças de Harmonia, portanto, são músicas tocadas por bandas que adotam a linguagem musical completa.  São aberturas e árias de La Traviata, Ernani, Aída, etc. mas também composições originais no estilo concertante, como por exemplo a “Ária das Adeptas”, recuperada por Fred Dantas e apresentada no concerto remoto do dia 16 de fevereiro de 2020, pelo Lei Aldir Blanc.

14 – Abertura de ópera: Cavatina Nell Ópera Simão Boccanegra (n º 169 do ADP).

A inclusão da presente música manuscrita se deve a alguns fatores de interesse: 

  • Revelar um exemplo das conhecidas “peças de harmonia”, ou seja, música clássica da Europa que circulava pelas bandas filarmônicas em cópias manuscritas ou adaptações realizadas por arranjadores do interior da Bahia. 
  • Revelar que algumas dessas peças de harmonia trazem o carimbo “Sociedade Muzical 5 Rios, Maracangalha Bahia” ou seja, não eram somente parte do repertório das orgulhosas filarmônicas da capital e dos grandes centros mas também eram tocadas por operários de uma usina de açúcar do Recôncavo da Bahia.
  • Revelar não só a capacidade de executar mas também a existência de arranjadores e maestros como Zeca Laranjeiras, regente da União Ceciliana de Alagoinhas, ligados à rede ferroviária que fizeram essas músicas clássicas serem encontradas ao longo da rede ferroviária em Laranjeiras, Alagoinhas e Aramari. 

A cópia que se faz presente foi realizada em alagoinhas em 3 de setembro de 1937, por Zezinho:

Imagem 38: Manuscrito com assinatura do copista, local e data

Mas também há partes do arranjo com cópias de Mandinho:

Imagem 39: Manuscrito de Sinfonia Nell ópera com cópia de Mandinho

Imagem 40: Cenografia de Girolamo Magnani para a montagem de 1881

“Simon Boccanegra” é uma ópera composta pelo compositor italiano Giuseppe Verdi. Esta ópera tem libreto em italiano de Francesco Maria Piave,  revisto e expandido por Arrigo Boito, e baseado num drama do dramaturgo espanhol Antonio García Gutiérrez. Estreou no dia 12 de março de 1857 no Teatro La Fenice em Veneza.

Dada a complexidade do argumento original e a pouca popularidade – embora a crítica tenha sido favorável – a ópera deixou se ser exibida em 1866. Mas 23 anos depois, o editor de Verdi persuadiu o compositor a rever a obra, com alterações ao texto preparadas por Arrigo Boito.  A versão revista de “Simon Boccanegra”, agora com a famosa cena do Conselho, foi estreada no La Scala de Milão em 24 de março de 1881. É esta versão revista que é executada atualmente.

15 – Música significativa por si: valsa L´Ange des concerts de E. Marsall (nº 261 do Arquivo Deraldo Portela)

Imagem 41: Manuscrito de L´Ange des Concerts

Imagem 42: Assinaturas em L´Ange des concerts

No manuscrito entendemos que o maestro Zeca Laranjeiras, na sua cidade natal, ainda assinava com seu nome de batismo, José Propheta Silveira, mas já demonstrando sua erudição ao buscar peças de harmonia de reconhecimento internacional. 

Em Alagoinhas na Bahia ele passou a ser conhecido como Zeca de Laranjeiras, logo Zeca Laranjeiras.

Imagem 43: Anuncio de um jornal de 1910

 

Resolvemos incluir a valsa “L´Ange dês Concerts” como peça reveladora por ser uma “peça de harmonia” de origem francesa, num ambiente de preponderante influência italiana. Também serve ao nosso propósito de revelar a diversidade e o escopo do repertório das bandas filarmônicas da Bahia, no caso as ligadas ao sistema ferroviário.

Encontrada na Enciclopédia Francesa, como: Ètienne Marsall (18.-1936), o anjo dos concertos, “grande valsa” composta em 1881.

A Enciclopédia Musical Francesa colecionou de autoria de Etiénne Marsall uma coleção de Danças favoritas, de fácil execução para grupo pequeno, contendo 2 polcas, duas mazurcas, duas schottischs, três valsas, 1 samba, 1 “lancer”, 1 java, 1 one-step, 2 foxs-trot, 2 fox-trott shimmy, 1 tango, 1 valsa-boston, 1 valsa hesitante, 1 sschottish espanhola. Doze livros de anotações para flautim, requinta, clarineta, 1º e 2º trompete, 1ª viola, 1º barítono 1º e 2º trombone, baixo em mib, Double-bass e percussão, datado de 1925.